Câmara defende punição de big techs e imunidade parlamentar em lei contra fake news
O relator do projeto de lei das fake news, deputado federal Orlando Silva (PC do B-SP), apoia uma flexibilização do Marco Civil da Internet que determine punição das plataformas por conteúdos antidemocráticos, em linha com a proposta do governo Lula (PT) para a regulação do setor.
Mas Orlando defende que o texto em discussão com o Executivo inclua a blindagem parlamentar nas redes e um órgão regulador, pontos que enfrentam resistência por parte do governo e de representantes da sociedade civil.
Após a oposição do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), o Planalto recuou da intenção de elaborar uma medida provisória para impor às plataformas o “dever de cuidado”, ou seja, a obrigação de impedir a disseminação de conteúdo que viole a Lei do Estado Democrático de Direito -como pedidos de abolição do Estado de Direito, estímulo à violência para deposição do governo ou incitação de animosidade entre as Forças Armadas e os Poderes.
Agora o Executivo discute com Orlando e Lira como incorporar as medidas de punição das plataformas ao PL (Projeto de Lei) 2630, conhecido como PL das fake news. Eles irão se reunir nesta semana. Antes disso, nesta terça-feira (28), o texto final das medidas que o governo Lula espera incluir no PL será discutido em uma reunião com representantes de diversos ministérios.
A responsabilização das plataformas não está na redação atual do PL das fake news e seria uma concessão ao governo.
O Marco Civil, de 2014, é a principal lei que regula a internet no Brasil e determina que as plataformas só podem ser responsabilizadas civilmente por conteúdos de terceiros se não cumprirem ordens judiciais de remoção.
A proposta do Ministério da Justiça brasileiro, que seria incorporada ao PL das fake news, prevê responsabilização e remoção proativa de conteúdos pelas plataformas, antes de ordem judicial. No entanto, estabelece que as empresas não seriam responsabilizadas por determinadas postagens que violem a lei -elas só seriam multadas se houvesse descumprimento generalizado do “dever de cuidado”.
Parte da sociedade civil, do Congresso e as plataformas criticam a medida. Para eles, a responsabilização levaria empresas a se censurarem e removerem conteúdos legítimos para evitar sanções.
Segundo Orlando, “é inexorável” mexer no Marco Civil da Internet.
“A legislação ganhou um sentido de urgência, já que nós temos agora um governo que apoia regulação. A legislação europeia [o DSA, que acaba de entrar em vigor] mostra que, ao contrário do que diziam as plataformas, é possível colocar as regras em prática, e o 8 de janeiro mostrou a gravidade do problema”, diz o deputado.
A diretiva de e-commerce da União Europeia, de 2000, estabelece que as redes só podem ser responsabilizadas por conteúdo de terceiros se souberem da existência dele e não remover, ou seja, só é necessário retirar a publicação, por exemplo, se receber uma denúncia de um usuário e não agir.
A lei de serviços digitais, vigente a partir deste mês na UE, mantém essa imunidade, mas estabelece uma série de obrigações que devem ser cumpridas pelas plataformas, como relatórios de transparência, e demonstração de conteúdos danosos removidos.
Para Orlando, deveria haver mudança no regime de responsabilidade no Brasil nos casos de violação da Lei do Estado Democrático de Direito, terrorismo e atentados contra a saúde pública. O deputado também quer incluir no texto a responsabilização das plataformas nos casos em que as empresas ganham com impulsionamento ou monetização do conteúdo que viola a lei.
Mas o relator enfatiza a necessidade de incorporar ao projeto de lei um órgão regulador para fiscalizar o cumprimento da nova legislação. Uma das opções seria um comitê gestor da internet turbinado, com mais poder. “Não dá para ficar tudo em cima do Poder Judiciário”, diz.
Dentro do governo, não há consenso sobre a necessidade de criar um órgão regulatório que determinaria se as empresas cumpriram seu dever de cuidado e se, caso contrário, deveriam ser multadas. Alguns acreditam que o Judiciário poderia cumprir esse papel.
O relator quer manter no texto a previsão de estender a imunidade parlamentar para a atuação em plataformas online. O ponto é uma prioridade de Lira, mas enfrenta resistência em alas do governo e da sociedade civil, por ser visto como uma liberdade para políticos desinformarem impunemente.
“Nesta semana, vou me dedicar a discutir o projeto com o governo, líderes e consultar as bancadas”, disse o deputado, acrescentando que o ministro Alexandre de Moraes, ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) e presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), também será ouvido.
FOLHAPRESS