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Guerra do Iraque segue como zumbi no deserto 20 anos após invasão dos EUA

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Ápice da desastrada Guerra ao Terror empreendida pelos Estados Unidos após os ataques do 11 de Setembro em 2001, a invasão do Iraque completa 20 anos assombrando a forma com que os americanos projetam seu poder pelo mundo como um zumbi de série de TV.

A metáfora se aplica também ao status do conflito, dada como ganha por um triunfante George W. Bush em 2003, sendo encerrada oficialmente em 2011 e recomeçada, com baixa intensidade, em 2014.

A invasão marcou também o fim do projeto imperial americano do pós-Guerra Fria. Em 1991, quando a União Soviética se desfez, Washington passou a reinar soberana nas relações internacionais, ditando com maior ou menor sucesso intervenções militares mundo afora.

Em 2001, a destruição da Torres Gêmeas e o ataque ao Pentágono nos EUA abriram o caminho para uma ampliação nunca antes vista do escopo de atuação americana. O justo pretexto de punição do terrorismo, aplicado com apoio global no caso do Afeganistão que abrigava a rede Al Qaeda, acabou instrumentalizando um projeto de poder.

Havia um forte componente pessoal, já que o pai de Bush havia sido o presidente que expulsou Saddam Hussein do Kuwait em 1991, mas fracassado em derrubar o ditador. Doze anos depois, uniu-se a fome e a vontade de comer, e Bush filho foi à revanche com a desculpa falsa de que o ditador tinha armas de destruição em massa e estava associado aos terroristas do 11 de Setembro.

Com ele foi todo o aparato industrial-militar americano, uma nova geração de forças mercenárias e as petrolíferas ocidentais, que ficaram com parte do butim no quinto maior depósito de óleo cru do mundo. Com efeito, o Iraque é um Estado semifalido governado por corruptos e em convulsão política, mas sua produção de petróleo praticamente dobrou dos níveis pré-guerra para hoje.

O aspecto econômico da guerra, importante como é, embaça um pouco a percepção do fracasso político. O zumbi do deserto guia, em larga medida, como os presidentes que sucederam a Bush se comportaram no campo bélico.

Primeiro, porque como todo bom zumbi, a guerra não morreu, transformou-se. Quatro anos após Bush pousar no porta-aviões Abraham Lincoln, seguramente ancorado na Califórnia com uma faixa dizendo “Missão Cumprida”, o envolvimento americano no Iraque chegou a 176 mil soldados.

Era o “surge”, a onda que buscou coibir a resistência xiita que lutava contra o governo fantoche dos EUA. Houve sete primeiros-ministros e diversos pleitos no Iraque pós-Saddam, mas o país está longe de ser a democracia liberal prometida por Bush. Para piorar o cenário, hoje o Iraque é um vassalo político do Irã, maior rival regional dos EUA no Oriente Médio.

Barack Obama reconheceu a impropriedade da tarefa e mandou seus soldados empacotarem as armas em 2011. Só que o mau serviço feito na repressão interna deu origem a um novo mal, o EI (Estado Islâmico), que logo controlaria grandes pedaços do Iraque e da Síria, além de atacar alvos Europa afora.

Com isso, em 2014 foi criada a Operação Resolução Inerente, que hoje mantém talvez 2.500 militares americanos em Bagdá e arredores contra os remanescentes do EI. Só em 2022, foram 313 ataques aéreos realizados pela ação, 191 deles no Iraque.

O desengajamento americano, contudo, era inevitável, tanto que os EUA não se envolveram diretamente na guerra civil síria, tarefa assumida com gosto pelo russo Vladimir Putin em 2015. A intervenção na Líbia, que transformou uma ditadura sanguinária numa anarquia assassina, foi uma obra mais europeia.

Donald Trump elegeu-se em 2016 prometendo algo atrativo aos americanos, o fim das “guerras inúteis e sem fim”. Não mudou nada do que estava sendo feito, na prática, mas nem tampouco iniciou um novo conflito sob o pretexto de exportar democracias.

Um tripé guiou as mudanças. Primeiro, o fato de guerras como a do Iraque serem impossíveis de vencer, mesmo matando o rival como aconteceu com Saddam numa forca em 2007.

Segundo, o bolso: segundo o mais recente relatório do referencial programa Custos da Guerra, da Universidade Brown (EUA), a Guerra do Iraque e a Resolução Inerente custaram até aqui US$ 1,79 trilhão, pouco mais que o PIB anual do Brasil. O valor se insere no total da Guerra ao Terror compilado pela universidade, US$ 8 trilhões.

Por fim, não menos importante, o impacto humanitário –que, por óbvio, sempre estoura no lado mais fraco. Usando as estimativas máximas da Brown, morreram 315 mil pessoas na guerra iraquiana, 210 mil delas civis do país. “Hostis”, como o Pentágono chama os inimigos, talvez 44 mil.

Já soldados americanos foram 4.599, mais um corpo de 3.650 empregados de companhias militares privadas, o eufemismo criado por aliados de Bush para mercenários. Mas o impacto no país é grande, como pode ser aferido em documentários como “Pai, Filho e Pátria” (2020). Já foram gastos US$ 232 bilhões com apoio a veteranos, e estima-se que essa conta engordará US$ 1,1 trilhão até 2050.

O contexto mundial mudou, igualmente, com a ascensão econômica e militar da China sob Xi Jinping, levando aos primeiros salvos da Guerra Fria 2.0 por Trump em 2017. Em 2022, duas décadas de crescente agressividade da Rússia de Putin, aliás aliada de Pequim, desembocaram na Guerra da Ucrânia e na volta dos confrontos entre Estados à Europa após quase 80 anos.

Com tudo isso, coube a Joe Biden executar a fase mais madura dessa nova orientação, com a atabalhoada saída do Afeganistão em 2020 e a admissão que o negócio de “construir nações” era uma furada arrogante. Foi uma forma de eternizar métodos, como o zumbi da Resolução Inerente mostra até a próxima ameaça terrorista efetiva, mas também de reduzir custo político a um mínimo.

Segundo levantamento feito pela britânica YouGov em fevereiro, apenas 25% dos americanos dizem ainda pensar na Guerra do Iraque, por exemplo. Outros 20% dizem que sua vida foi afetada pelo conflito de alguma maneira.

A teoria encontra a prática agora na Ucrânia, contudo. Biden sustenta a resistência de Kiev, tendo fornecido US$ 47 bilhões em ajuda militar até janeiro aos ucranianos, 75% do total mundial, mas sem enviar oficialmente um único soldado. Nas suas palavras, um americano atirando contra um russo significa a Terceira Guerra Mundial.

Pode ser, e no contexto do embate com a China as especulações vão longe, mas há muito do fator do conflito zumbi iraquiano envolvido nessa abordagem. Com efeito, ele parece não ter assustado Putin, cuja operação cada vez mais ganha um caráter de guerra se fim à vista, mesmo com a lembrança do “seu” Iraque, a década de ocupação soviética no Afeganistão que ajudou desidratar o império comunista.

FOLHAPRESS

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