Janaina Paschoal encerra mandato na mira de esquerda e direita, mas não se aposenta
Janaina Paschoal está de saída da Assembleia Legislativa de São Paulo enxovalhada por esquerda e direita.
O término de seu mandato como deputada estadual é também o fim de um ciclo que vai da queda de Dilma Rousseff à ascensão e derrota de Jair Bolsonaro (PL), com o –para ela doloroso– retorno do PT ao poder, com Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Autora, ao lado de Hélio Bicudo e Miguel Reale Júnior, do pedido de afastamento da ex-presidente, a advogada e professora de direito da USP chegou à Assembleia em 2019 com impressionantes 2 milhões de votos, a maior votação de um parlamentar na história do país, incluindo federais.
Reprovada pelos apoiadores de Dilma, Janaina logo ganhou também a rejeição de bolsonaristas, inconformados com suas críticas pontuais ao então presidente. Irredutível sobre a decisão de concorrer ao Senado em 2022, ficou distante da vaga, com pouco mais de 447 mil votos.
Ela afirma que Bolsonaro e aliados fizeram de tudo para atrapalhar sua candidatura, com emissários tentando convencê-la a desistir em favor do ex-astronauta Marcos Pontes (PL), por fim o eleito. “Se tivesse concorrido à reeleição ou a [deputada] federal, eu teria conseguido, mas não me arrependo.”
Janaina considera que desagradar diferentes lados é a prova de que, como parlamentar, conservou o espírito de independência, sem corromper suas ideias ou seguir cartilhas cegamente. “Eu não obedeço a ninguém”, diz ela, que detesta ser chamada de bolsonarista. “Sempre fiz contrapontos.”
Antipetista convicta e conservadora em temas como aborto e drogas, a paulistana de 48 anos tomou gosto pela política e não descarta voltar a concorrer. Rejeita prontamente a ideia de tentar a Prefeitura de São Paulo, mas nem por isso se fecha a possibilidades, como uma cadeira de vereadora.
Tampouco se decide sobre continuar filiada ao PRTB, depois de ter passado pelo PSL, legenda que também abrigou Bolsonaro. A professora se declara uma democrata avessa à obrigatoriedade de vinculação partidária para quem quer concorrer e defende candidaturas avulsas.
Desde o dia em que as urnas sacramentaram seu fim de ciclo, os pensamentos de Janaina se voltaram para o retorno às salas de aula da Faculdade do Largo de São Francisco, onde leciona desde 2003 e se vê, há tempos, como voz isolada em um ambiente coalhado de progressistas.
Sua reapresentação ao trabalho, no entanto, virou uma crise.
No fim de janeiro, estranhou ao saber que disciplinas que lecionava antes de virar deputada não estavam reservadas para ela ao fim de sua licença não remunerada. A universidade diz que seguiu os trâmites normais e que ela reassumirá o posto.
O processo foi ainda atravessado por um levante estudantil. O Centro Acadêmico XI de Agosto lançou um manifesto relatando “perturbação” com a volta da docente, chamada de “principal fiadora jurídica da extrema direita”. Disse que ela deu “uma contribuição indecente para o país” com o impeachment.
Rebatida por outra parte dos estudantes e por professores, que veem intolerância e violação à liberdade de cátedra, a manifestação pediu também que a universidade mandasse a parlamentar apresentar seu cartão de vacinação contra a Covid-19, uma vez que ela é contrária à imunização obrigatória.
Aí se deu uma coincidência: uma lei de autoria da própria deputada e de colegas bolsonaristas, recém-sancionada pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), proíbe cobrar o comprovante. Os alunos reivindicaram que, mesmo assim, a faculdade exigisse o documento. Janaina já disse que tomou uma dose da Pfizer, mas, após “uma reação alérgica muito forte”, foi orientada a não receber as demais.
O retorno à vida docente, sua única certeza após se despedir da Assembleia, deverá ser gradual, começando por substituições de professores em licença. “Nunca falei de política em sala de aula, diferentemente do pessoal da esquerda. Nem de eleição, partido, ideologia, nada.”
Além da queda da obrigatoriedade de exibir a carteira vacinal, Janaina cita como destaque do mandato sua lei que dá à grávida o direito de optar pela cesárea no SUS. Pela iniciativa, ganhou de adversários rótulos como os de inimiga do parto normal e porta-voz do lobby da classe médica.
“A deputada contribuiu muito com o Parlamento paulista”, diz o presidente da Assembleia, Carlão Pignatari (PSDB), para quem a bagagem dela no direito ajudou na elaboração de leis e na fiscalização do governo. Até rivais, nos bastidores, reconhecem qualidades e elogiam a assiduidade dela no plenário.
Para Carlão, a colega foi “um exemplo” com o hábito de estudar os projetos, além de “ter sido sempre muito criteriosa e atenciosa”.
A Janaina de ânimos mais serenados que passou pelo Legislativo ficou longe da imagem celebrizada pelo “discurso da cobra”, uma fala exaltada contra o PT feita em 2016 num palanque em frente à USP. O período como deputada até teve um ou outro arroubo de oratória, mas nada comparável ao episódio em que, com os cabelos tremulando enquanto dava rodopios, bradou: “Acabou a República da cobra!”.
Houve, sim, momentos insólitos. Em 2019, ela subiu à tribuna a pedido do então colega de PSL Douglas Garcia para anunciar a homossexualidade do deputado. Em 2020, indignada com a postura de Bolsonaro na pandemia, afirmou que “esse senhor” tinha que “sair da Presidência da República”. A relação com a base do ex-presidente, já problemática, afundou de vez.
Janaina se dizia leve, há algumas semanas, enquanto reunia os objetos do gabinete para desocupá-lo. Um quadro de São Jorge e as imagens de santos que ornamentavam a mesa (Irmã Dulce, Sagrado Coração de Jesus, Nossa Senhora Desatadora dos Nós) seriam retirados por último.
De aprendizado ficou, segundo a deputada, a frustração de que parte considerável do eleitorado, em todos os espectros, despreza a atuação técnica de parlamentares. “Pedem favor, querem projetos de nome de rua, homenagem, dia da doença tal. Fui atacada porque não xingava o [ex-governador] João Doria!”
Por ora, tem vontade de continuar participando do debate público em entrevistas, eventos e nas redes sociais, já que opiniões não lhe faltam.
“Acho que o presidente [Bolsonaro] não pode ser o nosso candidato, senão nós vamos perder de novo”, diz, torcendo para que despontem até 2026 outros líderes da direita, como Tarcísio, o governador Romeu Zema (Novo-MG) e o deputado federal Marcel van Hattem (Novo-RS), “que é um bom menino”.
Bolsonaro “já mostrou que não tem” condição de exercer a função. “Não conseguiu entender que era necessário abrir o leque. Fechou [o discurso] no núcleo duro. Apoiá-lo para 2026 vai ser burrice”, segue ela, que diz ter votado em Simone Tebet (MDB) no primeiro turno e em Bolsonaro no segundo.
Lula, avalia ela, abandonou “o bom discurso de vitória”, de tom pacificador, e foi para um rumo sectário. “Ele voltou a ser aquele Lula raiz. Parece que está caminhando para os mesmos erros do Bolsonaro, mas, como ele tem apoio de muitos setores, talvez isso o sustente mais.”
O texto biográfico fornecido à Assembleia define a deputada como crítica da “dominação exercida pelo esquerdismo” no Brasil e fala em “ditadura que aos poucos vem se instalando” –risco que, para Janaina, não existia sob Bolsonaro. “Ele lançou bravatas, mas não fez nada de ditatorial.” Com a esquerda de volta, ela diz que seu temor ressurge. “Eles são muito mais inteligentes, capazes. Muito mais.”RAIO-X
Janaina Conceição Paschoal, 48 Advogada, é professora licenciada de direito penal na Faculdade de Direito da USP, onde fez sua graduação e doutorado. Trabalhou na Secretaria de Segurança Pública de São Paulo e no Ministério da Justiça antes de abrir seu escritório de advocacia. Tornou-se conhecida por ser coautora do pedido de impeachment de Dilma Rousseff (PT), apoiou a candidatura de Jair Bolsonaro (então no PSL) em 2018 e foi eleita pelo mesmo partido deputada estadual em São Paulo para a legislatura 2019-2023.
FOLHAPRESS