Cultura

No Rio de Janeiro as pessoas são mais felizes’, diz autora de ‘How to be a Carioca’

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Seja numa mesa de bar, num encontro de família ou onde quer que esteja, se o assunto em pauta for o Rio de Janeiro, não se atreva a apontar um defeito, a falar um “A” que não seja elogioso perto de Priscilla Ann Goslin, 74. Cidade violenta? “No mundo todo tem lugares assim”, rebate.

Cheia de gente que não respeita horários e compromissos? “Pode até ser, mas eu até gosto. Não é legal tanto estresse”, minimiza, com um leve sotaque americano, a autora do best-seller que traduz em pequenos textos toda a sua fascinação não só pelo Rio mas, principalmente, por seus habitantes.

Priscilla escreveu “How to be a Carioca”, espécie de manual que, com dicas amorosamente bem-humoradas, ajuda o turista estrangeiro a desvendar certos códigos de comportamento que só costumam ser adotados no Rio, cidade em que mora, entre idas e vindas, há cerca de 50 anos.

O livro, com 300 mil exemplares vendidos, chegou agora à sua nona edição e serviu como base para uma série homônima, já gravada e que estreia ainda este ano, no Star+.

Os seis episódios têm Seu Jorge como protagonista, Malu Mader e Douglas Silva no elenco, e direção de Carlos Saldanha, dos hollywoodianos “Rio” e “A Era do Gelo”. Sinistro, como dizem os cariocas em reação positiva, de coisa extremamente boa, na mais intrigante de suas gírias para quem é de fora.

A ideia de lançar “How to be a Carioca” surgiu no início dos anos 1990 quando, irritada com tantas perguntas de amigos e parentes sobre a onda de arrastões nas praias da cidade, Goslin resolveu mostrar, preto no branco, literalmente, que o bicho até poderia estar pegando em alguns domingos de sol escaldante na orla, mas, alto lá: o Rio é muito mais do que isso.

“Quem vai dizer que a cidade não é deslumbrante? Não tem como! E o carioca é encantador, apaixonante”, diz ela à reportagem, já lembrando, às gargalhadas, dos vendedores de loja que atendem os clientes cheios de intimidade chamando-os de “amor”, dos taxistas (ela não gosta de Uber) que vão dirigindo e contando casos da família; do jeitinho de conquistar a simpatia de alguém ao chamá-lo de “querido” (“Meu marido passou a falar direto e ficou impressionado”).

Dia desses, recebeu uma cantada mezzo cara de pau, mezzo canastrona, quando caminhava pelas areias da Praia de São Conrado, onde mora. “Um cara veio pegar a bola que caiu perto de mim e disse assim: ‘Não sou rei mas adoro uma coroa’, Hahahaha!”, lembra, rindo com gosto. Há quem, em seu lugar, pudesse se ofender. Ou achar grosseiro.

Mas Priscilla, que nasceu nos cafundós dos Estados Unidos (numa cidadezinha de Minnesota) e atualmente se divide entre o Rio e o estado de Oregon, adorou. Viu ali um suprassumo da espontaneidade dos cariocas. Ela diz sentir falta desse, digamos, calor humano. “Eu amei, até o abracei. Tive que abraçar!”.

A praia, aliás, merece alguns capítulos do livro. Entre comentários e sacações sobre o que considera uma joie de vivre que só os cariocas têm, ela dá dicas, muitas delas, para que turistas ajam como verdadeiros locais. Homens, por exemplo, aprendam: ao chegar na areia, tire a camisa imediatamente. “Quanto mais tempo você demorar para tirá-la, menos carioca vai parecer”, escreveu.

Na hora de comer, ensina, não invente moda e vá de Biscoito Globo. Nem ela entende muito bem por que as rosquinhas de polvilho recheadas de vento fazem tanto sucesso nas areias do Rio. Mas fazem. Há décadas. “Não tem gosto de nada, mas é o maior orgulho dos cariocas, uma verdadeira instituição”, afirma, categoricamente. Importante: Come-se acompanhado de mate (de galão) com limão.

Por limão, leia-se limonada, mas se pedir ao vendedor uma “limonada”, babou: tá na cara que você não é do Rio. “Eu sempre tomo mate com limão e não fico pensando muito de onde vem aquela água, simplesmente bebo, como todo mundo na praia. É isso que as pessoas devem fazer: simplesmente relaxar e viver a vida nessas pequenas coisas boas. Parem de procurar problema em tudo!”.

A folclórica impontualidade do carioca, claro, também é abordada no livro. “Se você chegar na hora marcada a um coquetel ou jantar, corre o risco de ficar conversando com as paredes ou com a dona da casa. E você pode ter certeza de que ela não estará constrangida com o atraso dos demais, e sim com a sua pontualidade”, escreveu ela.

Este trecho consta igualzinho desde a primeira edição, de 1992, assim como quase todo o livro, que já passou por mais de 30 atualizações e oito edições anteriores. Mudaram detalhes mais técnicos, como a moeda corrente, as modernizações na forma de pagar a conta, novas tecnologias. “O livro é mais sobre o estilo de vida e o jeito fantástico como quem mora no Rio encara a vida. Isso não muda”, diz Priscilla.

Ela já morou em Londres, Nova York e São Francisco, tem parentes em São Paulo, gosta de Salvador, mas não pensa em escrever um livro aos moldes de “How to be a Carioca” sobre qualquer outro lugar. “Nenhuma outra cidade renderia um livro como esse”, declara. “Carioca é um bicho único e encantador”.

 

*FOLHAPRESS

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