Saúde

Gravidez após os 40 anos eleva risco de infarto, alerta nova diretriz cardiológica

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A alta da incidência de infartos em mulheres jovens levou a SBC (Sociedade Brasileira de Cardiologia) a criar protocolos específicos para a prevenção, o diagnóstico e o tratamento das doenças isquêmicas do coração feminino.

No Brasil, na faixa etária entre 15 e 49 anos, a taxa de incidência de infartos passou de 18,5 casos por 100 mil mulheres para 19,9 entre 1990 e 2019. Atualmente, um terço das mulheres brasileiras de todas as idades morre de doença cardiovascular.
O tema foi discutido nesta sexta (18) no primeiro congresso voltado à saúde cardiovascular da mulher, que ocorreu em São Paulo. O documento, de 75 páginas, expõe fatores de risco cardíaco mais prevalentes nas diversas fases de vida da mulher e o que os médicos devem fazer para enfrentá-los.

Mulheres que engravidam depois dos 40 anos, por exemplo, apresentam aumento de 20% do risco de sofrer infarto durante a gestação.

Ainda que seja um evento pouco comum na gravidez, 3,34 infartos a cada 100 mil gestações, o dado é uma peça a mais no quebra-cabeça que tenta explicar a alta da mortalidade de mulheres jovens por doenças isquêmicas do coração nas últimas décadas.

Segundo cardiologista Gláucia Maria Moraes de Oliveira, membro da comissão executiva do departamento de cardiologia da Mulher da SBC, além da idade materna tardia, há uma série outros fatores que podem aparecer durante a gestação, como diabetes, hipertensão e arritmias, que elevam o risco cardíaco.

“A gravidez é um estresse, como se fosse um teste de esforço para a mulher. Ao mesmo tempo é uma janela de oportunidade para identificar os riscos cardiovasculares que podem se manifestar ainda na gestão ou depois, ao longo da vida”, afirma a médica, uma das coordenadoras da nova diretriz.

O documento chama a atenção também para os riscos envolvidos nos contraceptivos hormonais. Diz, por exemplo, que eles se mostram eficazes e seguros para mulheres saudáveis, mas ainda que há escassez de evidências sobre seus efeitos em portadoras de comorbidades.

Uma meta-análise demonstrou que o uso de CHC (contraceptivos hormonais combinados com estrógeno e progesterona) representa um risco 1,7 vez maior de infarto do miocárdio e de AVC (acidente vascular cerebral) isquêmico.
O efeito é atribuído à ação do estrogênio ao passar pelo fígado e promover alterações dos fatores hemostáticos (que mantêm o sangue em estado fluído enquanto circula) que podem favorecer a trombose.

A diretriz orienta que, se a mulher tiver fatores de risco para doenças cardiovasculares, os CHC são contraindicados. Nessas situações, são recomendados os CPP (contraceptivos progestágenos puros).

O documento trata ainda de fatores que causam a infertilidade e que podem predispor a doenças cardiovasculares em mulheres, como a síndrome do ovário policístico (SOP) e a endometriose.
Uma meta-análise que comparou grupos de mulheres da mesma faixa etária, com ou sem infertilidade, mostrou que as mulheres com SOP apresentam maior risco de obesidade, hipertensão, intolerância a glicose, dislipidemia e apneia obstrutiva do sono. Nessas mulheres, há risco aumentado de infarto do miocárdio, doença isquêmica do coração e AVC.

A endometriose é outra causa de infertilidade que tem associação com aumento de risco para doença cardiovascular. Na doença ocorre um processo inflamatório crônico mediado por substâncias que induzem o aumento do estresse oxidativo e do LDL-colesterol, que levam à formação de placas de gordura na superfície interna das paredes das artérias.

Segundo o documento, a terapia de fertilização é considerada como um potencial fator de risco para os distúrbios, mas não ainda há evidências robustas sobre essa associação.
Para os cardiologistas, é muito provável que o aumento da incidência e de mortes por infartos em mulheres jovens também esteja relacionado ao estilo de vida.

Dados da Pesquisa de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel, 2020) apontaram que 65% das mulheres entre 18 e 45 anos estão com excesso de peso, e cerca de um quinto delas, obesas. Cerca de 27% têm hipertensão. Já a taxa de diabetes, outra doença que aumenta o risco cardiovascular, dobrou entre mulheres de 24 a 35 anos.

As mulheres também apresentam maior frequência de fatores de risco cardiovasculares não tradicionais, como estresse mental e depressão, e sofrem maior consequência das desvantagens sociais devido à raça, à etnia e à renda, segundo o documento.

“Há falta de conscientização das próprias mulheres. Já que os sintomas do infarto não são tão típicos, elas retardam a ida ao pronto-socorro. E também não costumam receber o tratamento adequado.”

A auxiliar de enfermagem Bianca de Souza da Silva, 37, do Rio de Janeiro, sofreu um infarto em 2020. “Comecei a sentir calafrios, sudorese e muita dor no peito. Meu marido pensou que fosse crise de ansiedade porque eu já tive anos atrás. Mas eu sentia que era algo diferente.”

Como não tinha nenhum fator de risco cardíaco, a equipe médica que a atendeu na emergência também suspeitou de ansiedade e a medicou com ansiolítico. “Quando saiu o resultado do exame de sangue, só me lembro de ouvir o pessoal gritando CTI, CTI, CTI, ela infartou, ela infartou. Fiquei uma semana na UTI.”

Além do sintoma mais prevalente, a dor no peito, entre as mulheres são comuns sinais como cansaço, fadiga, dores nas costas, no pescoço e no braço, além de náuseas e vômitos.
Segundo a médica, quando chegam com esses sintomas atípicos numa emergência, nem sempre eles são associados ao infarto e aí há uma demora para dosar as troponinas, proteínas liberadas no sangue quando há uma lesão no coração, ou fazer eletrocardiograma.

As confusões não param por aí. “Há alterações no eletrocardiograma da mulher que são diferentes da dos homens. Existe um número razoável de infartos em mulheres sem doença obstrutiva”, explica a cardiologista.

Mulheres infartadas também costumam receber menos o tratamento de angioplastia primária (desobstrução da artéria) do que os homens, às vezes na mesma instituição. “Nas mulheres, a revascularização da artéria ocluída pode ser mais difícil devido a sangramento no local de acesso e a artérias coronárias pequenas e mais tortuosas.”

De acordo com a cardiologista, a ideia é que o novo documento da SBC guie não apenas os cardiologistas como também os médicos de família, ginecologistas e obstetras, endocrinologistas e as mulheres em geral. “Se elas não procuram ajuda, a gente não consegue ajudar também.”

 

*FOLHAPRESS

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